Foi assim que nos vendiam o cigarro: os anúncios mais absurdos da história
- Fotoprostudio
- 10 de out.
- 6 min de leitura
Durante boa parte do século XX, o cigarro foi o rei absoluto do marketing. Antes de ser demonizado pela medicina e pela legislação, foi o centro de algumas das campanhas publicitárias mais brilhantes, sofisticadas, manipuladoras e perigosas da história. Vendia-se com glamour, humor, pseudociência, autoridade médica, feminismo de fachada — ou com machismo escancarado.
As imagens eram impecáveis. A estratégia, perfeita. O objetivo: fazer você fumar. E funcionou. Até deixar de funcionar.
Neste artigo, fazemos um passeio pelos anúncios mais impactantes do cigarro: os mais sexistas, absurdos, escandalosos ou simplesmente criativos até a genialidade. Um testemunho visual de como a publicidade pode influenciar desejos, moldar culturas… e afetar a saúde de milhões de pessoas.
ÍNDICE
1. "Mais médicos fumam Camel do que qualquer outra marca"
Começamos com força. Nas décadas de 1940 e 1950, a Camel lançou uma campanha que mostrava médicos de jaleco branco fumando no consultório, garantindo que "a maioria" preferia a sua marca. Essa série de anúncios é hoje um exemplo claro de publicidade enganosa baseada em falsa autoridade.

A estética era impecável: preto e branco, iluminação bem trabalhada, linguagem técnica. Se o médico fumava, você também podia.
O mais perverso é que, em muitos casos, os médicos realmente fumavam. Não era invenção. Só que ninguém contava o que acontecia nos pulmões deles.
👉 Na Espanha, havia os cigarros balsâmicos antiasmáticos do Dr. Andreu.

Este artigo documenta a história do laboratório do Dr. Andreu, incluindo os cigarros balsâmicos, com fotografias e contexto sobre como eram vendidos como um tratamento "terapêutico".
2. Lucky Strike e a magreza como promessa: “Escolha um Lucky em vez de um doce”
Em plena obsessão pelos padrões de beleza magros e esbeltos, a Lucky Strike encontrou a fórmula perfeita: substituir a sobremesa por um cigarro. Assim, em vez de engordar, você emagreceria. Ou pelo menos era isso que dizia a campanha.
Essa mensagem não só era falsa e perigosa, como também explorava uma vulnerabilidade histórica das mulheres: o controle do próprio corpo.
O design gráfico desses anúncios era elegante, sóbrio, bem típico dos anos 30 e 40. Uma estética refinada a serviço de uma mensagem tóxica (literalmente).

3. O Marlboro Man: masculinidade, virilidade... e câncer de pulmão
Criado como uma tentativa de dar virilidade a uma marca originalmente feminina, o Marlboro Man se transformou em um dos ícones mais poderosos da publicidade do século XX. Cowboys solitários, cavalos, desertos, poeira e fogo. O imaginário masculino transformado em anúncio.
Durante anos, essa campanha foi um sucesso absoluto. Tanto que vários dos atores que interpretaram o cowboy acabaram morrendo de doenças relacionadas ao tabaco.
O auge da ironia: o emblema da virilidade acabou se tornando símbolo de tragédia.

👉 Aqui você pode ver uma extensa coleção com mais de 62.000 anúncios de tabaco, incluindo campanhas icônicas como a do Marlboro Man: Stanford SRITA.
4. Tipalet e o machismo explícito: “Sopre na cara dela e ela vai te seguir a qualquer lugar”
Um dos anúncios mais ofensivos e sexistas já publicados. Nele, um homem sopra a fumaça do seu cigarro no rosto de uma mulher sorridente, com o slogan:
“Sopre na cara dela e ela vai te seguir a qualquer lugar.”
Mais do que grotesco, é um claro reflexo de como o desejo (e a submissão feminina) foi usado como argumento de venda. Esse tipo de publicidade não apenas normalizava o machismo: ele o celebrava.
O mais triste? Funcionava.

5. Publicidade direcionada a crianças e adolescentes
Durante anos, o tabaco se disfarçou entre desenhos animados, quadrinhos e personagens “amigáveis”. A marca Candy Cigarettes vendia cigarros doces para crianças, imitando os dos adultos. Marcas como Marlboro ou Camel criavam produtos e campanhas visuais que pareciam feitas para menores.
Houve até anúncios com bebês no colo de pais fumantes, ou slogans como:
“Papai precisa ficar tranquilo, por isso fuma!”
A normalização começava desde o berço.

6. Virginia Slims e o feminismo manipulado: “You’ve come a long way, baby”
Nos anos 70, com a segunda onda feminista em andamento, as empresas de tabaco viram um novo nicho: as mulheres libertadas. A Virginia Slims lançou campanhas onde fumar era um símbolo de independência, liberdade e poder feminino.
O slogan "Você percorreu um longo caminho, querida" era uma celebração da mulher moderna... que precisava de um cigarro para ser assim.
As imagens eram estilizadas, modernas e empoderadoras... mas a mensagem por trás era a mesma: fume e você alcançará o sucesso.

7. Celebridades como isca: Hitchcock, Sinatra, John Wayne
Hollywood foi o grande cúmplice da indústria do tabaco. As estrelas fumavam na tela… e fora dela.
John Wayne, por exemplo, foi o rosto da Camel. Mais tarde, desenvolveria câncer de pulmão. Alfred Hitchcock assinou campanhas para várias marcas. Frank Sinatra fumava tanto quanto cantava. E ninguém se importava.
O culto à fama funcionava melhor do que qualquer argumento racional. Se seu ídolo fazia, você também faria.

8. Cigarros em hospitais, aviões e escritórios
Antes de o fumo ser reconhecido como um problema de saúde pública, ele fazia parte do cotidiano. Fumava-se em salas de cirurgia, na cabine do piloto, em salas de aula, nos ônibus, até em anúncios de brinquedos…
Alguns comerciais mostravam até enfermeiras e pacientes compartilhando cigarros. Outros celebravam a “liberdade” de fumar em voos intercontinentais. Hoje, isso parece ficção científica. Mas era a realidade.
E tudo isso era impulsionado por campanhas que transformavam o ato de fumar em algo comum e idealizado no dia a dia.

9. Publicidade subliminar e presença cultural
Embora proibida em muitos países, a publicidade subliminar do tabaco existiu e ainda persiste em formatos disfarçados.
Marcas como Marlboro infiltraram sua estética na Fórmula 1 muito tempo depois da proibição direta. Cores, formas e até logos estilizados mantinham a presença da marca viva, sem precisar mencionar o nome explicitamente.

O tabaco era onipresente: filmes, séries, capas de discos... e, sobretudo, nas grandes revistas de moda.
10. A estética fotográfica: como se camuflava o perigo
Mais do que a mensagem, o que realmente cativava era a imagem. A fotografia de produto e lifestyle do tabaco foi durante décadas uma escola visual para publicitários e fotógrafos.
Utilizavam técnicas cinematográficas, iluminação dramática, fundos impecáveis e styling milimetricamente calculado. As campanhas da Benson & Hedges, por exemplo, eram surreais, artísticas, misteriosas. Verdadeiras obras visuais que pouco ou nada diziam sobre o produto, mas vendiam puro desejo.

Bônus: os anúncios mais absurdos (e reais!)
Uma breve lista de pérolas publicitárias que hoje pareceriam uma paródia:
“Fume para uma digestão mais fácil”
“Fume durante o parto, relaxa o útero”
“Fumar é bom para a garganta”
“Os bebês também gostam do cheiro do tabaco”
“Os esportistas preferem Chesterfield”
Sim, tudo isso foi publicado. Em meios sérios. Com investimento milionário.
Por que funcionaram?
A publicidade do tabaco funcionou porque era sedutora, inteligente e impecavelmente desenhada. Usou todos os recursos à sua disposição: psicologia, cinema, moda, humor, medo e desejo.
Foi um laboratório de testes para criativos, fotógrafos, agências e estúdios. E seu sucesso deixou um legado: muitas das técnicas visuais e narrativas que hoje vemos na publicidade nasceram vendendo cigarros.

Reflexão final: estética perigosa
A história da publicidade do tabaco é a história de uma beleza enganosa. De uma estética perigosa. De como as melhores ideias podem vender o pior se forem colocadas no contexto certo.
Hoje olhamos para esses anúncios com espanto, riso ou horror. Mas também com uma lição clara: a imagem não é inocente. Pode inspirar, pode transformar… ou pode matar.
A OMS deixa isso claro em seu guia sobre marketing e publicidade do tabaco: as estratégias de marketing continuam evoluindo e continuam afetando especialmente os mais jovens.
Neste link, você encontra informações detalhadas sobre como a publicidade do tabaco impacta a saúde pública e as medidas recomendadas para sua regulação.
Este percurso te impactou? Compartilhe ou comente. Porque para entender a publicidade de hoje, é preciso conhecer os excessos de ontem.










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